Influenciadores Digitais: Nova Lei francesa e posição atual do tema no Brasil
17/07/2023

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No início de junho de 2023, a França se tornou o primeiro país da União Europeia a promulgar legislação específica para regular a atividade de influenciadores digitais. O projeto de lei aprovado havia sido proposto pelos parlamentares Arthur Delaporte (Partido Socialista) e Stéphane Vojetta (Partido Ensemble) em janeiro de 2023, e, após tramitação rápida e com poucas alterações, foi aprovado pela Assembleia Nacional em 31 de maio e pelo Senado em 1º de junho e promulgado como Lei n° 2023-451 logo na sequência.

A lei inova ao definir como influenciador digital a pessoa física ou jurídica que, mediante pagamento, mobiliza a sua notoriedade junto de sua audiência para comunicar ao público, por via eletrônica, conteúdos destinados à promoção, direta ou indireta, de bens ou serviços. A lei vai ainda mais longe e limita quais bens e serviços não podem ser promovidos por influenciadores digitais, proibindo, por exemplo, a promoção de remédios, produtos e procedimentos estéticos que trazem riscos à saúde, além da divulgação de criptoativos e aplicativos de apostas esportivas.

Destaca-se, ainda, as novas obrigações de os influenciadores prestarem certas informações relativas aos bens e serviços que promovem. Segundo a nova legislação, a promoção de bens ou serviços deve ser expressamente indicada pela menção "publicidade" ou pela menção "colaboração comercial", devendo tal menção ser clara, legível e identificável durante toda a promoção. Ainda, as imagens que tenham passado por qualquer processo de tratamento de imagem destinado a alterar silhuetas ou modificar a aparência do rosto deverão ser acompanhadas da menção “imagens retocadas”. Do mesmo modo, conteúdos produzidos por inteligência artificial com o objetivo de representar um rosto ou uma silhueta devem ser acompanhados da menção “imagens virtuais”.

Em caso de violação à nova lei, existe a previsão de sanções que variam desde a aplicação de multa no importe de € 300.000 (trezentos mil Euros) até pena de prisão de dois anos, além de sanções adicionais previstas no Código do Consumidor francês.

No Brasil, a regulação das atividades comerciais praticadas por influenciadores digitais tem andado em ritmo mais lento. Na Câmara dos Deputados, ao menos seis projetos de lei que tratam do assunto foram propostos por parlamentares entre 2020 e 2023, tendo sido todos eles apensados ao PL 929/2020[1], o qual “dispõe sobre o exercício da profissão de blogueiro e vlogueiro” no Brasil. O projeto de lei, contudo, não teve nenhum andamento desde abril de 2021, com exceção do apensamento de outros projetos de lei semelhantes, os quais também não tiveram avanço em suas tramitações. Já no Senado Federal, em maio de 2022, o Senador Eduardo Gomes propôs o Projeto de Lei n° 1138, o qual tratava do exercício da profissão de influenciador social digital profissional, tendo sido retirado pelo próprio autor poucos dias após ser protocolado.

A mesma dinâmica parece se aplicar aos órgãos reguladores setoriais, os quais possuem poucas diretrizes sobre as atividades desenvolvidas por influenciadores digitais em suas respectivas áreas de regulação. Em dezembro de 2020, por exemplo, o CONAR publicou o “Guia de Publicidade por Influenciadores Digitais”, o qual tem caráter meramente orientativo, isto é, não possui ferramentas regulatórias ou sancionadoras para a atividade de influenciador digital.

Em outra frente, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), motivada pela “crescente popularização das redes sociais e também o maior interesse do investidor sobre o mercado de valores mobiliários exercida nesses canais”, emitiu, em novembro de 2020, o Ofício-Circular n° 13/2020, com o objetivo de esclarecer quais opiniões, inclusive as emitidas por influenciadores digitais, poderiam ser caracterizadas como exercício da atividade de analista de valores mobiliários nos termos da Instrução CVM n° 598. Mais recentemente, a CVM publicou também um estudo[2] sobre influenciadores digitais e o mercado de capitais, visando investigar se influenciadores digitais estariam atuando conforme a regulação da CVM, tendo em vista sua relação com participantes do mercado de valores mobiliários regulados pelo órgão.

Por outro lado, os conselhos federais de medicina e nutrição já se adiantaram às discussões do Congresso Nacional e emitiram suas próprias regulações setoriais com o objetivo de disciplinar a atuação dos profissionais sob suas respectivas jurisdições em ambiente digital. Aos nutricionistas, por exemplo, é vedado, inclusive por meio de redes sociais,
(i) promover suas atividades profissionais com mensagens enganosas ou sensacionalistas e alegar exclusividade ou garantia dos resultados de produtos, serviços ou métodos terapêuticos; e
(ii) divulgar imagem corporal de si ou de terceiros, atribuindo resultados a produtos, equipamentos, técnicas e protocolos.[3] De modo similar, aos médicos é vedado realizar divulgação publicitária, mesmo de procedimentos consagrados, de maneira exagerada e fugindo de conceitos técnicos, para individualizar e priorizar sua atuação ou a instituição onde atua ou tem interesse pessoal.[4] 

Assim, diferentemente da evolução que o tema teve na França nos últimos meses, no Brasil, país líder mundial no mercado de influenciadores digitais[5], o tema tem avançado pouco ou quase nada na esfera legislativa federal e tem se mostrado tímido nas regulações setoriais, as quais não se debruçaram, por exemplo, sobre as novas tecnologias empregadas nesse tipo de negócio, notadamente a inteligência artificial, nem se preocuparam em aumentar a transparência dos conteúdos transmitidos por influenciadores de modo a esclarecer para os consumidores de conteúdos digitais que muito do que se publica online é manipulado ou se trata de propaganda velada.

Matheus Facio
Beatriz Lindoso
Cesar Carvalho



[1] PL 3130/2021, PL 1282/2022, PL 1335/2022, PL 2347/2022 e PL 547/2023 
[3] Resolução CFN nº 599/2018.
[4] Resolução CFM nº 1974/11, Anexo 1.