A sócia Beatriz França da equipe de regulação e concorrência publica artigo no portal Jota
26/03/2019

Governo digital e uma sociedade não tão digital

Não haverá efetividade se inexistir inclusão digital

No dia 1º de janeiro de 2018, o novo Presidente tomou posse e editou a Medida Provisória nº 870, para estabelecer a organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios, criando, dentro outros, o novo “super” Ministério da Economia.

Diversos órgãos integram a estrutura básica do Ministério da Economia, incluindo sete Secretarias Especiais, dentre elas, a Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital. Para o presente texto, destaco particularmente a Secretaria de Governo Digital, integrante desta Secretaria Especial.

Dentre as diversas competências atribuídas à Secretaria de Governo Digital pelo Decreto nº 9.679, de 2 de janeiro de 2019, vale citar a normatização e coordenação de projetos para a) simplificação de serviços e políticas públicas, b) transformação digital de serviços públicos, c) governança e compartilhamento de dados, e d) utilização de canais digitais, tudo no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.

Dado o contexto global de uma economia digital em expansão, no qual o Brasil deve empenhar esforços para fazer parte, a criação de uma Secretaria de Governo Digital integrante do Ministério da Economia pode ser recebida com algum entusiasmo e boas expectativas.

De se imaginar que um governo digital buscará uma integração inteligente, digitalizada, entre os diferentes órgãos e entidades da administração pública federal, inclusive no tocante ao compartilhamento de dados no âmbito do governo. Mais que isso, espera-se um melhor e mais eficiente relacionamento entre a administração pública e os cidadãos, melhorando a experiência destes.

Iniciativas com vistas à implementação de projetos para transformar digitalmente os serviços públicos ou disseminar a utilização de canais digitais podem ser tidas como uma pequena parte dos esforços empreendidos pelo Brasil para se inserir na economia digital.

Porém, não há como deixar de ponderar que iniciativas da Secretaria de Direito Digital terão mais sucesso se forem acompanhadas de outras iniciativas do governo, voltadas à expansão e melhoria da infraestrutura de redes de telecomunicações e à massificação do acesso à conectividade (inclusão digital).

Não se terá um governo de atuação e gestão digital ou um relacionamento digital entre este e os cidadãos se não houver infraestrutura de redes de telecomunicações capaz de suportar, com qualidade, todo o esperado tráfego de dados, ou se os cidadãos não tiveram acesso à conectividade para se integrarem a este ambiente. Ora, de nada adianta serviços públicos digitais e canais digitais se os cidadãos a eles não tiverem acesso dada a falta de conectividade.

Iniciativas voltadas à expansão do acesso à conectividade foram vislumbradas por governos anteriores, a exemplo do programa de banda larga nas escolas públicas ou programa Internet para Todos, entre outros. Mas tudo feito até o momento é pouco, muito pouco.

Cito, nessa linha, o bilionário satélite brasileiro SGDC-1 (Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas), construído em governos passados e apesar de lançado no espaço há quase dois anos, sua banda civil de operação (frequências na Banda Ka) – destinada à comunicação de dados em alta capacidade, especialmente para expansão do acesso à Internet em áreas não atendidas ou áreas remotas, com o propósito de atender uma população desconectada – ainda segue bastante subutilizada, depois de uma longa espera para sua entrada em operação.

As novas redes satelitais existentes e com cobertura no Brasil, sem dúvida, serão importante instrumento à inclusão digital e à melhoria da infraestrutura de redes de telecomunicações no País. Todavia, uma iniciativa importante, a ser encampada em paralelo, quem sabe dentro do próprio Ministério da Economia, é a necessária redução da carga tributária incidente sobre as pequenas antenais satelitais residenciais, o que depende de mudança na lei.

Como uma importância ainda maior, cito as tradicionais redes terrestres, particularmente as redes móveis celulares, que são e continuarão sendo instrumento crucial, talvez o mais importante, para os objetivos de inclusão digital e expansão da infraestrutura de redes. E neste tocante, como outra importante iniciativa, destaco a tão esperada revisão da forma de aplicação dos bilionários recursos recolhidos ao Fundo de Universalização de Telecomunicações (FUST), ampliando as possibilidades de sua destinação mediante alteração da lei vigente. Trata-se de medida urgente.

Estas questões devem ser tratadas com prioridade pelo governo e pelo Congresso Nacional. Não haverá governo digital efetivo se inexistir inclusão digital. É preciso, além de um governo digital, uma sociedade digital.

BEATRIZ FRANÇA – advogada da equipe de Regulação e Concorrência de Mundie e Advogados.

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